Tesla em Queda: Por que as Vendas Despencaram e o Que Esperar de 2025 a 2027

Durante boa parte da última década, a Tesla foi sinônimo de carro elétrico, margens robustas e crescimento quase exponencial. Em 2020, a empresa de Elon Musk entregou 499 mil veículos; em 2023, quebrou a barreira de 1,8 milhão. Parecia inevitável que o domínio continuaria. No entanto, o 1º trimestre de 2025 trouxe o primeiro tropeço real: entregas caíram 13 % ano a ano, a receita ficou aquém das projeções e a Tesla perdeu momentaneamente a coroa de maior vendedora global de veículos 100 % elétricos para a chinesa BYD.

1. Panorama histórico: da ascensão meteórica ao tropeço inédito

Quando a Tesla entregou 22 mil veículos em 2013, poucos apostavam que chegaria a 1,8 milhão em 2023. A empresa surfou:

  • Vantagem de produto – trem de força próprio, OTA, Superchargers.
  • Storytelling de inovação – promessas de FSD, robotáxi, energia solar.
  • Capital barato – juros globais próximos de zero entre 2015-2021.

O crescimento, contudo, mascarou fragilidades que agora afloram: dependência de dois modelos (3/Y), atraso de novos produtos e imagem diluída em polêmicas pessoais do CEO. O 1.º tri/25 marcou a pior contração anual (-13 %) desde o início da pandemia.

2. Os números do tombo

2.1 Entregas, produção e estoques

TrimestreProduçãoEntregasEstoque (Produção-Entregas)% Estoque / Entregas
1T23440 808422 87517 9334,2 %
1T24433 371387 85545 51611,7 %
1T25362 112336 68125 4317,5 %

Apesar de cortar a produção, o excesso de inventário continua alto, pressionando novos descontos.

2.2 Receita e margens

Métrica1T241T25Variação
Receita automotivaUS$ 21,1 biUS$ 19,3 bi-8,5 %
Margem bruta auto21,3 %18,2 %-3,1 pp
Lucro ajustadoUS$ 1,36 biUS$ 0,93 bi-31 %

A Tesla entregou 27 mil Cybertrucks no trimestre, mas cada unidade ainda consome CapEx desproporcional na linha de Austin.


3. Anatomia das causas

3.1 Concorrência por região

China (≈32 % das vendas de 2024)
A BYD domina o segmento “middle class” com Dolphin Plus (US$ 22k) e Seal (US$ 28k) – ambos abaixo do Model 3 Highland (US$ 33k). Incentivos locais favorecem baterias LFP made-in-China, em que a BYD possui cadeia vertical (mina → cátodo → célula → pack).

Europa (≈24 %)
Volkswagen, Renault e Stellantis aceleraram BEVs de €25 k. Além disso, tarifas de importação da UE sobre veículos chineses (incluindo Model 3/ Y de Xangai) subiram de 10 % para 17,5 % em janeiro, encarecendo o preço-base em €3 000.

EUA (≈38 %)
O IRA de 2022 exige % de componentes locais. Tesla perdeu parte do crédito de US$ 7 500 nos Model 3 Standard porque suas células ainda vêm da CATL. Rivais como Ford F-150 Lightning e GM Equinox EV recuperaram share após grandes cortes de preço.

América Latina (≈4 %)
Mercado nascente, mas BYD Dolphin chegou ao Brasil por R$ 149 mil; Model 3 parte de R$ 339 mil. Questão cambial (dólar > R$ 5) torna Tesla artigo de nicho.

3.2 Produto: portfólio envelhecido e roadmap atrasado

  • Model 3 Highland (facelift 2024) não trouxe plataforma de 4680 células.
  • Model Y aguarda refresh “Juniper”; estimado para Q1/26.
  • Cybertruck – aço inox caro, ramp-up lento, recalls de pedal de acelerador.
  • Semi ainda em piloto; falta infraestrutura de Megachargers.
  • Compact EV (“Model 2”) adiado: rumores de cancelamento em favor de robotáxi dedicado.

3.3 Imagem de marca vs. “efeito Musk”

Pesquisa Morning Consult (mar/25): favorabilidade Tesla nos EUA caiu de 42 % (2022) para 30 %. Entre consumidores de centro-esquerda, despencou a 19 %. As polêmicas no X, cortes de funcionários e falas políticas afetam percepção, sobretudo entre compradores de veículos premium.

3.4 Macro: juros, câmbio e matéria-prima

  • Juros – Fed Funds a 5,25 %; empréstimos para carro > 7 % a.a.
  • Lítio caiu 40 % desde pico de 2022, mas níquel classe-1 subiu 32 %, pressionando packs NCM de alto desempenho.
  • Câmbio forte encarece importados em mercados emergentes (BR, MX).

4. Bateria e tecnologia: LFP vs. NCM

QuímicaCusto (US$/kWh)Densidade (Wh/kg)Ciclo vidaSegurança
LFP~751603 500Alta
NCM 811~1002302 000Média
4680 high-nickel~90 (meta)2602 500Média

A Tesla aposta nas 4680 para reduzir custos, mas a produção em volume ainda é < 15 GWh/ano (≃150 k Model Y). Enquanto isso, BYD escala LFP “Blade” a 150 GWh/ano, mantendo preços baixos.

 

5. Impactos financeiros e reações do mercado

5.1 Valuation em ajuste

O múltiplo P/L recuou de 96× (jan/24) para 56×. A diferença com montadoras herdadas continua grande, mas analistas começam a modelar crescimento de receita abaixo de 15 %/ano, versus 30 % na média 2018-2023.

5.2 Fornecedores e empregos

  • Panasonic adiou expansão da Gigafactory Nevada Fase 3.
  • LGES revisou down a projeção de células 2170 para 2025.
  • Tesla cortou ~10 % da força global (14 k empregos) em abril/25.

5.3 Shorts e indicadores de risco

Curto-prazo vendido (short interest) subiu para 3,6 % do free float, maior desde 2020. Taxa de empréstimo de ações > 1,2 %/mês indica crença em volatilidade.

6. Cenários 2025–2027: três rotas possíveis

Variável-chaveBull (30 %)Base (50 %)Bear (20 %)
Volume 20262,2 mi1,9 mi1,4 mi
Gross margin 202623 %18 % 

14 %

Model 2Lanç. H2/25Lanç. H1/26Lanç. 2027+
RobotáxiPiloto Austin 2025Piloto 20262028+
Ações (TSLA)US$ 350US$ 220US$ 110

Premissas: Bull — FSD nível 4 aprovado no Texas + subsídio IRA retomado; Bear — recessão EUA, tarifas EU+CNA, falha de segurança FSD.

7. O jogo do software: FSD, serviços e margem “tipo Apple”

A Tesla gera hoje ~US$ 500 mi/ano de receita recorrente (connectivity premium + FSD), margem ~60 %. Musk mira US$ 20 bi/ano até 2030 com:

  • FSD assinatura global – US$ 99/mês; penetração-alvo 50 %.
  • Robotaxi fleet fee – 30 % sobre receita do veículo autônomo.
  • Tesla App Store – apps pagos para infotainment (jogos AAA, streaming).

Desafio: regulação de segurança veicular (NHTSA, Euro NCAP) ainda exige motorista atento. E as mortes ligadas ao Autopilot (em investigação) podem atrasar adoção.

8. ESG e recalls: riscos de reputação

8.1 Recalls crescentes

AnoRecalls (EUA)Veículos afetados
202111813 k
2022203,77 mi
2023274,05 mi
2024192,8 mi
2025*91,1 mi

* até abril. Destaque: recall de 2 km de faixa de pedestre no Autopilot (over-the-air). Cada recall afeta percepção de qualidade e pode influenciar tarifas de seguro.

8.2 ESG

Supply chain de lítio na América do Sul enfrenta pressão sobre direitos indígenas (Salar de Atacama). A Tesla firmou contrato com Sigma Lithium (Brasil) para litíose com selo “net-zero”, mas ainda depende de níquel indonésio (pegada de carbono alta).

9. O que pode virar o jogo

  1. Lançamento do EV compacto (≤ US$ 25 k) – essencial para volume na Índia, Sudeste Asiático e AmLat.
  2. Rampa das células 4680 a > 100 GWh/ano, atingindo meta de US$ 55/kWh, restaurando margem.
  3. Regulação pró-robotáxi – estados dos EUA liberando operação comercial nível 4 acelerariam receitas de software.
  4. Rebranding – separar imagem da Tesla da persona de Musk (novo COO, marketing institucional) poderia recuperar “favorability” entre grupos críticos.

10. Checklist para investidores e entusiastas

  • Acompanhar release de entregas 2T25 (1º jul).
  • Observar tarifas da UE sobre veículos chineses (revisão out/25).
  • Monitorar produção 4680 nas gigafábricas Austin & Nevada.
  • Seguir calendário de audiências NHTSA sobre Autopilot (jun-ago/25).
  • Conferir lançamento do refresh Model Y Juniper (CES 2026?).

Conclusão

A queda de vendas da Tesla em 2025 não é um “acidente de percurso” isolado, e sim o cruzamento de quatro forças:

  1. Concorrência agressiva, sobretudo chinesa, com produtos mais baratos e boa tecnologia;
  2. Portfólio envelhecido e atrasos em novos modelos-chave;
  3. Imagem fragilizada pelas polêmicas do fundador e por recalls sucessivos;
  4. Macrocontrários – juros altos, subsídios voláteis, câmbio forte.

A empresa ainda detém vantagens competitivas: escala global, marca reconhecida, rede Supercharger imbatível e uma ambição de software que pode turbinar margens se (grande se) a legislação permitir robotáxis.

Em última análise, o futuro da Tesla dependerá menos de cortes de preço e mais de entregar inovação tangível ao consumidor médio, provar a segurança do FSD e reconquistar a confiança de um mercado que, pela primeira vez em anos, não dá mais ao “Technoking” o benefício da dúvida.

Leituras & fontes recomendadas

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