Nas últimas quatro décadas, nenhuma região do planeta transformou tanto o próprio destino — e o da economia global — quanto a Ásia. De fábricas têxteis em Guangdong às linhas robotizadas de Seul, o continente passou de reservatório de mão de obra barata a centro de pesquisa, design e capital de risco. Hoje, semicondutores de Taiwan, super-apps da China, biotecnologia de Singapura e inteligência artificial da Índia alimentam cadeias de suprimento mundiais, enquanto impulsionam renda, urbanização e poder geopolítico. Neste artigo, destrinchamos os pilares que permitiram à Ásia dominar a tecnologia como alavanca de desenvolvimento — e o que o resto do mundo pode aprender.
1. Políticas industriais de longo prazo
1.1 Japão e o MITI: o protótipo
Nos anos 1960-80, o Ministério do Comércio Internacional e Indústria (MITI) guiou o Japão da produção de rádios baratos ao domínio de chips de memória, criando um manual de parcerias público-privadas, metas setoriais e financiamento subsidiado. Esse modelo inspirou vizinhos orientais.
1.2 A estratégia de “voo de gansos”
Acadêmicos chamam de Flying-Geese Paradigm: quando o Japão migrou para produtos de maior valor, Coreia do Sul e Taiwan ocuparam o nicho deixado — depois Malásia, Tailândia e Vietnã. Resultado: uma escada de industrialização que manteve a vantagem comparativa regional sempre em movimento, evitando estagnação.
2. Ecossistemas de hardware: o “silício asiático”
2.1 TSMC e o modelo “fabless”
A Taiwan Semiconductor Manufacturing Company revolucionou os semicondutores ao fabricar chips de quem só faz design (Apple, AMD, Nvidia). Isso eliminou barreiras de entrada, acelerou a inovação em IA e mobile e colocou Taiwan no centro de uma indústria de US$ 600 bilhões. O país investiu pesado em parques científicos (Hsinchu), educação STEM e acordos de transferência de know-how com universidades dos EUA.
2.2 Coreia do Sul: chaebols e super-clusters
A Samsung Electronics recebe cerca de US$ 200 bilhões/ano em receita — maior que o PIB de muitos países. Isso só é possível porque o governo ofereceu créditos fiscais, infraestrutura 5G líder mundial e um exército de engenheiros formados no KAIST. Os chaebols (conglomerados familiares) são criticados por concentração de poder, mas garantiram escala global em displays, memórias e baterias.
3. Software e serviços: o laboratório da China e do Sudeste Asiático
3.1 Super-apps: WeChat, Grab, Go-Jek
Enquanto o Ocidente separa mensageria, banco e delivery em vários apps, a Ásia adotou o conceito de super-app. No WeChat, 1,3 bilhão de chineses pagam contas, marcam consulta médica e pedem táxi sem sair da interface. Essa integração cria dados em larga escala, o “novo petróleo” da era digital, e agiliza inclusão financeira em países emergentes.
3.2 IA de reconhecimento facial e fintech regulada
Com uma população gigantesca, a China coleta bases de imagens e dados biométricos impossíveis no regime de privacidade europeu. Isso impulsiona startups de IA (SenseTime, Megvii) e melhora segurança bancária via KYC instantâneo. No Sudeste Asiático, onde 70 % dos adultos eram “unbanked” em 2010, carteiras digitais reduziram fraude e turbinaram o comércio eletrônico a taxas anuais de dois dígitos.
4. Talento e educação
4.1 Ranking de engenheiros
Dos 10 países que mais formam graduados em engenharia por ano, sete estão na Ásia. A Índia sozinha entrega cerca de 1 milhão. Universidades como Tsinghua, IIT-Bombay e NUS aparecem entre as 20 melhores do QS em ciência da computação.
4.2 “Brain circulation”
Em vez de sofrer apenas brain drain, países asiáticos apostaram no retorno de talentos:
- China: programa Thousand Talents oferece bônus milionários a PhDs que voltam do MIT.
- Índia: zonas francas de TI em Bangalore proporcionam participação acionária e vistos acelerados a ex-funcionários do Vale.
Esse ciclo cria hubs de inovação que se retroalimentam.
5. Infraestrutura digital de próxima geração
- 5G e além: Coreia e China lideram patentes 6G.
- Cabos submarinos: Singapura é ponto de ancoragem vital; garante latência baixa para data centers regionais.
- Energia verde: Vietnã e Indonésia investem em solar para atrair fabricantes de baterias e chips, reduzindo pegada de carbono e ganhando pontos ESG.
6. Capital de risco e IPOs
A Ásia responde por quase 40 % do venture capital global. Hong Kong, Xangai e Tóquio oferecem bolsas alinhadas a tech, enquanto Cingapura isenta ganhos de capital de estrangeiros. SoftBank Vision Fund, Temasek e Tiger Global injetam bilhões em IA generativa, robôs autônomos e health-tech.
7. Tecnologia como política externa
7.1 Belt and Road digital
A China exporta 4G/5G, e-governança e videomonitoramento a mais de 60 países, trocando infraestrutura por influência diplomática.
7.2 Quad e Chips Act asiático
Japão, Índia, Austrália e EUA formaram o Quad para financiar alternativas a data centers Huawei e criar cadeias de semicondutores “China-free”. A disputa acelera a inovação, mas também fragmenta padrões de segurança.
8. Casos de uso que impulsionam desenvolvimento
Setor | Exemplo asiático | Impacto socioeconômico |
---|---|---|
Agritech | Drones de pulverização DJI (China) | Aumento de produtividade agrícola em 20 % na Tailândia |
Saúde digital | Programa Smart Nation (Singapura) | Prontuário único e telemedicina reduziram filas em 30 % |
Educação | Plataformas BYJU’S (Índia) e Zhangmen (China) | Democratização de aulas de alta qualidade a regiões remotas |
Transportes | Trens bala Shinkansen e CRH | Integração de mercados regionais e turismo doméstico |
9. Desafios e críticas
- Privacidade e vigilância: reconhecimento facial em larga escala gera receio de abuso estatal.
- Desigualdade urbana-rural: Shenzhen prospera, mas áreas rurais da China e Índia ainda carecem de internet rápida.
- Tensões geopolíticas: Taiwan é crucial aos chips; qualquer conflito impactaria a economia global.
- Sustentabilidade: data centers consomem água e energia; governos impõem metas de carbono neutro.
10. Lições para outras regiões
- Planejamento de décadas: visão além de ciclos eleitorais.
- Educação STEM acessível: bolsas, hackathons e parcerias com setor privado.
- Clusters regionais: concentrar universidades, startups e fabricantes num raio de 50 km cria sinergia.
- Capital paciente: fundos soberanos podem bancar tecnologias com retorno a longo prazo (quantum, fusão).
- Infra digital como serviço público: banda larga tratada como eletricidade — universal e regulada.
Conclusão
O domínio asiático em tecnologia não é acaso; é produto de políticas industriais focadas, educação em massa, investimento pesado em P&D e integração regional de cadeias de valor. Enquanto o Ocidente debate regulamentação, a Ásia constrói fábricas de 3 nm, lança satélites de internet e cria super-apps que definem o futuro do comércio. O desafio agora é equilibrar velocidade de inovação com privacidade, sustentabilidade e estabilidade geopolítica. O resto do mundo pode — e deve — observar, adaptar e colaborar, porque a próxima década tecnológica será, indiscutivelmente, moldada pelo continente asiático.
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